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Poucos dias antes de completar 96 anos, em outubro, Fernanda Montenegro assistiu ao espetáculo Choque! Procurando Sinais de Vida Inteligente, estrelado por Danielle Winits com direção de Gerald Thomas. Após entusiasmados aplausos, a veterana atriz fez breve discurso, celebrando o ofício que abraça com paixão e vigor desde os anos 1950.
“Nós estamos vivendo uma hora muito difícil no mundo, mas temos o teatro. Estamos juntos numa irmandade arcaica e eterna. É a arte mais importante que o homem criou”, emocionou-se ela, arrancando lágrimas do público.
Não foi a primeira vez que tomou o microfone para si. Quando menos se espera, Fernanda surpreende uma plateia aqui, outra ali com aparições repentinas e cheias daquela sabedoria bem acumulada ao longo de tão rica existência. Mas é sobre o palco que oferece, além de virtuosas performances, uma bela aula de como a idade cravada no RG não serve de termômetro para medir a capacidade humana de ultrapassar as barreiras do tempo com gás de sobra para se reinventar.
Agora, ela se prepara para reinaugurar, em dezembro, o teatro do Sesc Ginástico, no Centro — fechado para obras desde 2023 — com a leitura dramatizada de parte da obra A Cerimônia do Adeus, de Simone de Beauvoir (1908-1986), pura expressão do existencialismo francês.
“Faço minhas as palavras de Simone de Beauvoir: ‘Provisoriamente, o tempo parou para mim. Mas eu não ignoro as ameaças que o futuro encerra, como também não ignoro que é o meu passado que define a minha abertura para o futuro.” Fernanda Montenegro, 96 anos
Com habilidades físicas e mentais de causar inveja a muita gente egressa da base da pirâmide etária, Fernanda integra a seleta turma dos superidosos, tecnicamente o grupo dos 80 anos em diante — uma patota que a demografia vem investigando mundo afora com o objetivo de decifrar a trilha para uma vida não apenas longa, mas plena e saudável.
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Rotinas nada maçantes, preenchidas por trabalho, viagens e um lazer bem vivido, são comuns para quem beira um século de vida com disposição para muito mais.
Identificando a longevidade como mola propulsora de relevantes transformações nas sociedades, a Associação Comercial do Rio de Janeiro até criou, em 2023, um conselho empresarial dedicado à chamada “economia prateada”. “Os empreendedores acima dos 60 são grandes incentivadores da economia e os que mais empregam no estado”, afirma Antonio Alvarenga, diretor-superintendente do Sebrae Rio;
De acordo com o último censo do IBGE, o total dos ditos idosos, que venceram a fronteira dos 60, já representa 15,6% da população brasileira, um extraordinário aumento de 56% em relação a 2010.
Em solo fluminense, a parcela dos que exibem cabeças esbranquiçadas (ou não) é um pouco maior — 19%.
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Nas últimas décadas, a medicina deu um empurrão e tanto à expectativa de vida, reunindo conhecimento que, se bem aplicado, pode levar longe. “Como para viver, não vivo para comer. Também converso comigo e puxo minhas próprias orelhas”, conta o ator Ary Fontoura, 92 anos, no ar como o Quinzinho da novela Êta Mundo Melhor!, da TV Globo, outro exemplo notável de como terceira idade, não à toa, é um conceito em desuso.
“Faço exercícios de memória para mantê-la razoavelmente bem. Vivo sempre com humor, e acredito que o segredo de tudo é perdoar sempre. Valorizo muito os meus semelhantes. Afinal, ninguém vive só.” Ary Fontoura, 92 anos
Estudos mostram que, em meio ao caldeirão de fatores que explicam a longevidade, conta mais a constância de certos hábitos do que a genética.
“A verdadeira liberdade não é fazer tudo, mas ter energia e sabedoria para poder escolher”, observa o endocrinologista Fabiano Serfaty. “Eu não faço exercícios nem dieta, mas sempre fui muito ativo. Aconselho todo mundo a se cuidar”, fala Tony Tornado, exibindo espírito jovem aos 95, também no ar na trama global das 6.
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“Decoro os textos com facilidade. Consigo fazer a novela e os shows sem precisar de suporte. Espero que continue assim. Outro ponto importante é não me preocupar com o que não está sob meu controle.” Tony Tornado, 95 anos
+ Rio vai receber a Parada do Orgulho LGBTI+ pela 30ª vez
Cada qual tem sua receita própria para manter não só o corpo, mas a mente em estado de ebulição. Com o pique de quem percorre diariamente 2 quilômetros no calçadão de Ipanema, o cirurgião plástico José Badim, 95, sobe um lance de escada para chegar ao consultório, no Hospital Badim, no Maracanã, do qual é fundador.
Estimular os neurônios, para ele, é quase como ir à academia. “A busca por atualização me deixou aceso. Pude testemunhar toda a evolução da medicina em 72 anos de profissão”, constata Badim, que se envolveu na criação da cirurgia cardíaca e da diálise e, sim, até hoje opera.
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“Não existe segredo. Segui a vida normalmente, sem vícios. Eu nunca gostei de ‘noitada’ e nunca tive excessos. O meu excesso é o trabalho, mas isso sempre me ajudou.” José Badim, 95 anos
Ocupações que envolvem aprendizado e criatividade, capazes de pôr a cabeça para trabalhar a pleno vapor, são sabidamente de valiosa contribuição à longevidade.
“A neurociência mostra que, quanto mais o cérebro é estimulado, mais conexões ele forma e mais lento é o declínio cognitivo”, explica Serfaty. Também compreender as limitações trazidas pela idade, de preferência com aquela serenidade que o tempo vai sedimentando, é algo bem-vindo à trajetória do envelhecimento.
“Durante muito tempo regi obras de Beethoven, Villa-Lobos e Tchaikovsky de cor. Hoje, preciso das partituras, mas isso faz parte”, conta Isaac Karabtchevsky, maestro titular da Orquestra Petrobras Sinfônica, prestes a completar 91 anos.
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+ O futebol americano se torna peça fundamental em projeto do Rio para se tornar internacional
Incansável, ele pula cedo da cama, anda pela Gávea e emenda com fisioterapia para as dores na coluna. Depois, estuda partituras e não abre mão de assistir a filmes e séries com a esposa, Maria Helena, com quem é casado há mais de seis décadas — também um componente que pode ajudar, ao espantar o mal da solidão. “Para mim, a música é transcendência, uma conexão com o divino. Talvez isso explique a minha longevidade”, reflete.
“Sempre fui muito regrado com a alimentação e, no passado, uma taça de vinho acompanhava as refeições, hábito que cultivei após dirigir uma orquestra na região do Loire, na França.” Isaac Karabtchevsky, 90 anos
Há outros combustíveis para atravessar as décadas sem quase nem se dar conta — ou se dar, sim, e lidar bem com a ideia. Um dos destaques da programação paralela da ArtRio deste ano foi a reexibição da performance O Pão Nosso de Cada Dia, concebida por Anna Bella Geiger em plena ditadura militar e apresentada na Bienal de Veneza de 1980.
Acomodada em uma poltrona, a artista plástica de 92 anos mastiga um pão de modo que a fatia se transforme em um mapa do Brasil. No ano passado, ela precisou colocar um marcapasso para tratar uma arritmia, mas nada que a impeça de cuidar dos detalhes da intervenção monumental no Bosque das Artes, no topo do Pão de Açúcar, prevista para 2026.
“Também ando revisitando sete décadas da minha obra para outro projeto e, nos próximos dias, vou a Buenos Aires”, conta ela, que nos anos 1950, em uma temporada vivendo em Nova York, cruzava diariamente a Ponte do Brooklyn a pé.
De volta ao Rio, entre 1960 e 1966, gastava sola de sapato no traslado de casa, na Rua Paissandu, no Flamengo, até o Museu de Arte Moderna (MAM), onde dava expediente. “E ainda repetia o caminho para fazer o almoço dos meus filhos”, relembra ela, que não perde oportunidade de evoluir. Nas horas vagas, dá de afiar a mente lendo livros em inglês e alemão.
A ciência já provou que cerca de 20% da longevidade é determinada por fatores genéticos, enquanto o restante se associa diretamente ao estilo de vida. “É possível ativar genes ligados à saúde e silenciar aqueles associados a doenças por meio de hábitos consistentes”, esclarece o endocrinologista Fabiano Serfaty. “Essa é a beleza da vida: o destino biológico existe, mas a forma de vivê-lo é uma obra de arte pessoal”, diz.
+ Conexão Rio–Pará une PUC-Rio e Museu do Marajó na Amazônia
Filha de imigrantes poloneses, Anna Bella Geiger tem histórico de longevidade na família. O pai viveu até os 95 e a mãe faleceu aos 88. Mas ela quase morreu aos 11, quando ainda não havia antibióticos disponíveis nestas bandas. “Estava de férias, em Minas, e fui acometida por uma infecção. Fiquei muito magra, não parava em pé. Só comecei a melhorar quando um dos médicos sugeriu uma injeção destinada a cavalos”, relata ela, tantas décadas depois.
“Sou filha de imigrantes poloneses, mas a minha alimentação é bem brasileira. Tenho preferência por bife com gordura e não abro mão de presunto, cremes e queijos.” Anna Bella Geiger, 92 anos
Outro lembrete da nata da academia que vive de estudar a longevidade é alimentar o otimismo e o bom humor, dois bons aliados para uma existência esticada e feliz. No nível cerebral, isso se traduz na liberação de substâncias como a serotonina, que estimula o corpo a turbinar a imunidade e regular tanto o apetite como o metabolismo.
“A gente só deve se preocupar com o que está no nosso controle. O que não está, esquece: só desanima”, ensina o escolado Tony Tornado.
Depois de fazer tanta gente rir ao longo de décadas, Renato Aragão reconhece que justamente aí mora sua vivacidade e, por isso, planeja celebrar os 91 anos, em janeiro, com o musical Os Saltimbancos Trapalhões – In Concert, no Teatro Opus Città, na Barra. “Ocupo a minha cabeça pensando em novos trabalhos. A sensação é de estar apenas começando”, diz.
“Acordo cedo, como mamão, banana, cuscuz e faço ginástica. Ocupo a cabeça pensando em novos trabalhos. Sinto que estou apenas começando.” Renato Aragão, 90 anos
Percorrendo o Brasil com a turnê de seu primeiro monólogo, Não Me Entrego, Não, o ator Othon Bastos, 92, também não dá confiança ao tique-taque do relógio, ao qual imprime o próprio ritmo. Ele acaba de finalizar uma temporada popular no João Caetano.
“A frase de que eu mais gosto na peça é ‘Eu nasço contente todas as manhãs. É fundamental cultivar uma esperança de vida”, acredita.
“Tenho coragem, vontade e prazer de viver. Procuro acreditar na vida. Quando ela pega na minha mão e me leva, eu vou. Sei que ela não vai me encaminhar a um lugar ruim.” Othon Bastos, 92 anos
Do alto da experiência, o crescente grupo dos superidosos ensina: nada como um bom dia após o outro. E não custa lembrar Simone de Beauvoir, a quem Fernanda Montenegro primorosamente dá vida no palco: “A impressão que eu tenho é de não ter envelhecido, embora esteja instalada na velhice”.
Receita da vida longa
Características em comum aos superidosos
Memória
Mais que lembrar de fatos antigos, é essencial recordar os recentes, o que confere autonomia.
Cognição
Habilidades como raciocínio e atenção devem ser cultivadas à base de leitura e convivência social, que estimulam novas conexões neurais.
Mobilidade física
Desempenhar funções rotineiras e praticar exercícios é fundamental.
Geração prateada
Os números da (ops) terceira idade no Rio
19% da população tem mais de 60 anos
406 000 empreendedores já são sessentões ou mais
16% dos donos de negócios no estado são idosos
33% dos moradores de Copacabana passaram dos 70
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Poucos dias antes de completar 96 anos, em outubro, Fernanda Montenegro assistiu ao espetáculo Choque! Procurando Sinais de Vida Inteligente, estrelado por Danielle Winits com direção de Gerald Thomas. Após entusiasmados aplausos, a veterana atriz fez breve discurso, celebrando o ofício que abraça com paixão e vigor desde os anos 1950.
“Nós estamos vivendo uma hora muito difícil no mundo, mas temos o teatro. Estamos juntos numa irmandade arcaica e eterna. É a arte mais importante que o homem criou”, emocionou-se ela, arrancando lágrimas do público.
Não foi a primeira vez que tomou o microfone para si. Quando menos se espera, Fernanda surpreende uma plateia aqui, outra ali com aparições repentinas e cheias daquela sabedoria bem acumulada ao longo de tão rica existência. Mas é sobre o palco que oferece, além de virtuosas performances, uma bela aula de como a idade cravada no RG não serve de termômetro para medir a capacidade humana de ultrapassar as barreiras do tempo com gás de sobra para se reinventar.
Agora, ela se prepara para reinaugurar, em dezembro, o teatro do Sesc Ginástico, no Centro — fechado para obras desde 2023 — com a leitura dramatizada de parte da obra A Cerimônia do Adeus, de Simone de Beauvoir (1908-1986), pura expressão do existencialismo francês.
“Faço minhas as palavras de Simone de Beauvoir: ‘Provisoriamente, o tempo parou para mim. Mas eu não ignoro as ameaças que o futuro encerra, como também não ignoro que é o meu passado que define a minha abertura para o futuro.” Fernanda Montenegro, 96 anos
Com habilidades físicas e mentais de causar inveja a muita gente egressa da base da pirâmide etária, Fernanda integra a seleta turma dos superidosos, tecnicamente o grupo dos 80 anos em diante — uma patota que a demografia vem investigando mundo afora com o objetivo de decifrar a trilha para uma vida não apenas longa, mas plena e saudável.
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Identificando a longevidade como mola propulsora de relevantes transformações nas sociedades, a Associação Comercial do Rio de Janeiro até criou, em 2023, um conselho empresarial dedicado à chamada “economia prateada”. “Os empreendedores acima dos 60 são grandes incentivadores da economia e os que mais empregam no estado”, afirma Antonio Alvarenga, diretor-superintendente do Sebrae Rio;
De acordo com o último censo do IBGE, o total dos ditos idosos, que venceram a fronteira dos 60, já representa 15,6% da população brasileira, um extraordinário aumento de 56% em relação a 2010.
Em solo fluminense, a parcela dos que exibem cabeças esbranquiçadas (ou não) é um pouco maior — 19%.
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Nas últimas décadas, a medicina deu um empurrão e tanto à expectativa de vida, reunindo conhecimento que, se bem aplicado, pode levar longe. “Como para viver, não vivo para comer. Também converso comigo e puxo minhas próprias orelhas”, conta o ator Ary Fontoura, 92 anos, no ar como o Quinzinho da novela Êta Mundo Melhor!, da TV Globo, outro exemplo notável de como terceira idade, não à toa, é um conceito em desuso.
“Faço exercícios de memória para mantê-la razoavelmente bem. Vivo sempre com humor, e acredito que o segredo de tudo é perdoar sempre. Valorizo muito os meus semelhantes. Afinal, ninguém vive só.” Ary Fontoura, 92 anos
Estudos mostram que, em meio ao caldeirão de fatores que explicam a longevidade, conta mais a constância de certos hábitos do que a genética.
“A verdadeira liberdade não é fazer tudo, mas ter energia e sabedoria para poder escolher”, observa o endocrinologista Fabiano Serfaty. “Eu não faço exercícios nem dieta, mas sempre fui muito ativo. Aconselho todo mundo a se cuidar”, fala Tony Tornado, exibindo espírito jovem aos 95, também no ar na trama global das 6.
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Cada qual tem sua receita própria para manter não só o corpo, mas a mente em estado de ebulição. Com o pique de quem percorre diariamente 2 quilômetros no calçadão de Ipanema, o cirurgião plástico José Badim, 95, sobe um lance de escada para chegar ao consultório, no Hospital Badim, no Maracanã, do qual é fundador.
Estimular os neurônios, para ele, é quase como ir à academia. “A busca por atualização me deixou aceso. Pude testemunhar toda a evolução da medicina em 72 anos de profissão”, constata Badim, que se envolveu na criação da cirurgia cardíaca e da diálise e, sim, até hoje opera.
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“Não existe segredo. Segui a vida normalmente, sem vícios. Eu nunca gostei de ‘noitada’ e nunca tive excessos. O meu excesso é o trabalho, mas isso sempre me ajudou.” José Badim, 95 anos
Ocupações que envolvem aprendizado e criatividade, capazes de pôr a cabeça para trabalhar a pleno vapor, são sabidamente de valiosa contribuição à longevidade.
“A neurociência mostra que, quanto mais o cérebro é estimulado, mais conexões ele forma e mais lento é o declínio cognitivo”, explica Serfaty. Também compreender as limitações trazidas pela idade, de preferência com aquela serenidade que o tempo vai sedimentando, é algo bem-vindo à trajetória do envelhecimento.
“Durante muito tempo regi obras de Beethoven, Villa-Lobos e Tchaikovsky de cor. Hoje, preciso das partituras, mas isso faz parte”, conta Isaac Karabtchevsky, maestro titular da Orquestra Petrobras Sinfônica, prestes a completar 91 anos.
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Incansável, ele pula cedo da cama, anda pela Gávea e emenda com fisioterapia para as dores na coluna. Depois, estuda partituras e não abre mão de assistir a filmes e séries com a esposa, Maria Helena, com quem é casado há mais de seis décadas — também um componente que pode ajudar, ao espantar o mal da solidão. “Para mim, a música é transcendência, uma conexão com o divino. Talvez isso explique a minha longevidade”, reflete.
“Sempre fui muito regrado com a alimentação e, no passado, uma taça de vinho acompanhava as refeições, hábito que cultivei após dirigir uma orquestra na região do Loire, na França.” Isaac Karabtchevsky, 90 anos
Há outros combustíveis para atravessar as décadas sem quase nem se dar conta — ou se dar, sim, e lidar bem com a ideia. Um dos destaques da programação paralela da ArtRio deste ano foi a reexibição da performance O Pão Nosso de Cada Dia, concebida por Anna Bella Geiger em plena ditadura militar e apresentada na Bienal de Veneza de 1980.
Acomodada em uma poltrona, a artista plástica de 92 anos mastiga um pão de modo que a fatia se transforme em um mapa do Brasil. No ano passado, ela precisou colocar um marcapasso para tratar uma arritmia, mas nada que a impeça de cuidar dos detalhes da intervenção monumental no Bosque das Artes, no topo do Pão de Açúcar, prevista para 2026.
“Também ando revisitando sete décadas da minha obra para outro projeto e, nos próximos dias, vou a Buenos Aires”, conta ela, que nos anos 1950, em uma temporada vivendo em Nova York, cruzava diariamente a Ponte do Brooklyn a pé.
De volta ao Rio, entre 1960 e 1966, gastava sola de sapato no traslado de casa, na Rua Paissandu, no Flamengo, até o Museu de Arte Moderna (MAM), onde dava expediente. “E ainda repetia o caminho para fazer o almoço dos meus filhos”, relembra ela, que não perde oportunidade de evoluir. Nas horas vagas, dá de afiar a mente lendo livros em inglês e alemão.
A ciência já provou que cerca de 20% da longevidade é determinada por fatores genéticos, enquanto o restante se associa diretamente ao estilo de vida. “É possível ativar genes ligados à saúde e silenciar aqueles associados a doenças por meio de hábitos consistentes”, esclarece o endocrinologista Fabiano Serfaty. “Essa é a beleza da vida: o destino biológico existe, mas a forma de vivê-lo é uma obra de arte pessoal”, diz.
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Filha de imigrantes poloneses, Anna Bella Geiger tem histórico de longevidade na família. O pai viveu até os 95 e a mãe faleceu aos 88. Mas ela quase morreu aos 11, quando ainda não havia antibióticos disponíveis nestas bandas. “Estava de férias, em Minas, e fui acometida por uma infecção. Fiquei muito magra, não parava em pé. Só comecei a melhorar quando um dos médicos sugeriu uma injeção destinada a cavalos”, relata ela, tantas décadas depois.
“Sou filha de imigrantes poloneses, mas a minha alimentação é bem brasileira. Tenho preferência por bife com gordura e não abro mão de presunto, cremes e queijos.” Anna Bella Geiger, 92 anos
Outro lembrete da nata da academia que vive de estudar a longevidade é alimentar o otimismo e o bom humor, dois bons aliados para uma existência esticada e feliz. No nível cerebral, isso se traduz na liberação de substâncias como a serotonina, que estimula o corpo a turbinar a imunidade e regular tanto o apetite como o metabolismo.
“A gente só deve se preocupar com o que está no nosso controle. O que não está, esquece: só desanima”, ensina o escolado Tony Tornado.
Depois de fazer tanta gente rir ao longo de décadas, Renato Aragão reconhece que justamente aí mora sua vivacidade e, por isso, planeja celebrar os 91 anos, em janeiro, com o musical Os Saltimbancos Trapalhões – In Concert, no Teatro Opus Città, na Barra. “Ocupo a minha cabeça pensando em novos trabalhos. A sensação é de estar apenas começando”, diz.
“Acordo cedo, como mamão, banana, cuscuz e faço ginástica. Ocupo a cabeça pensando em novos trabalhos. Sinto que estou apenas começando.” Renato Aragão, 90 anos
Percorrendo o Brasil com a turnê de seu primeiro monólogo, Não Me Entrego, Não, o ator Othon Bastos, 92, também não dá confiança ao tique-taque do relógio, ao qual imprime o próprio ritmo. Ele acaba de finalizar uma temporada popular no João Caetano.
“A frase de que eu mais gosto na peça é ‘Eu nasço contente todas as manhãs. É fundamental cultivar uma esperança de vida”, acredita.
“Tenho coragem, vontade e prazer de viver. Procuro acreditar na vida. Quando ela pega na minha mão e me leva, eu vou. Sei que ela não vai me encaminhar a um lugar ruim.” Othon Bastos, 92 anos
Do alto da experiência, o crescente grupo dos superidosos ensina: nada como um bom dia após o outro. E não custa lembrar Simone de Beauvoir, a quem Fernanda Montenegro primorosamente dá vida no palco: “A impressão que eu tenho é de não ter envelhecido, embora esteja instalada na velhice”.
Receita da vida longa
Características em comum aos superidosos
Memória
Mais que lembrar de fatos antigos, é essencial recordar os recentes, o que confere autonomia.
Cognição
Habilidades como raciocínio e atenção devem ser cultivadas à base de leitura e convivência social, que estimulam novas conexões neurais.
Mobilidade física
Desempenhar funções rotineiras e praticar exercícios é fundamental.
Geração prateada
Os números da (ops) terceira idade no Rio
19% da população tem mais de 60 anos
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